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terça-feira, 31 de maio de 2011

Acordou cedo e...

Acordou cedo e não sabia onde estava. Não reconhecia os lençóis nem a meia luz do quarto. Era estranho estar naquele lugar. Não sabia onde estava, mas lhe parecia familiar. Talvez ainda estivesse sonhando e demorou mais de meia hora para perceber que aquela estranha sensação era realidade. A realidade. 
Seus óculos eram seus, pois acordou com eles e com eles enxergava bem. Reconheceu os óculos e só. Todo o resto lhe era estranho, ainda que com um que de familiaridade. Ao seu lado na cama, a temperatura ainda estava morna. Havia alguém ali. Alguém pra lhe esclarecer se seria um sonho ou o qualquer coisa que estivesse acontecendo...
Levantou com dificuldade e, além da estranha sensação, sentia dores no corpo. Lembrou da noite passada e das cachaças misturadas com cerveja que havia tomado. Tinha ido a uma festa de gente bonita, de amigos dos amigos e apresentou a idéia de tomar cachaça misturado com cerveja. Foi a sensação na festa. Estava acostumado a beber isso e gostava da mistura, mas ontem havia exagerado. Talvez por isso não lembrava o que aconteceu para ter tantas pequenas dores no corpo.
Concluiu que a noite tinha rendido algo e estava na casa de alguma das muitas menininhas da festa de gente bonita.  Por um segundo ele até se animou. Mas no mesmo instante pensou que, se ele não lembrava onde estava nem como havia chegado lá, a menina podia ser do time das barangas.
De repente, a porta do quarto se abre e uma senhora de seus oitentas anos vem e lhe fala, ‘Até que enfim você acordou. Dormiu que nem uma pedra! Estamos atrasados pra missa das dez’.
Quem era essa senhora?? Teve a certeza de que estava num pesadelo daqueles que a gente não consegue acordar e tudo o que queria era sair dali.
A mulher falava e falava e ele, em choque, não conseguia entender uma só palavra. Tentou abrir a boca para falar, para perguntar o que estava acontecendo, mas o som não saia da sua boca. E aos poucos percebera que, assim como o lugar, aquela senhora lhe era bastante familiar... Se concentrou nisso e depois de algum tempo, sem entender porque, soube que aquela senhora era sua esposa. E, pela primeira vez desde que acordara, olhou suas mãos. Estavam velhas, enrugadas, marcadas pelo tempo. Tentou correr para o banheiro, mas seu corpo velho e dolorido era lento demais para a angustia que sentia. Olhou-se no espelho e viu-se aos noventa anos. Velho, gordo e mal cuidado. E sem conseguir falar.
Teve a certeza de estar em seu pior pesadelo, mas os minutos iam passando assim como a sensação de realidade em tudo ia se firmando. Aquilo era real. Mas como? Sua última lembrança era de sessenta anos atrás, numa festa de gente bonita. Onde estariam esses sessenta anos? O que ele fez com todo esse tempo? Quem era ele naquela idade? As perguntas eram infinitas e ressoavam em sua cabeça como um trombone e a realidade lhe pesou como uma avalanche. E, porra, por que não conseguia falar?
O que ele fizera com seus planos dos vinte, trinta anos? Teria ele viajado para os lugares que ele queria ter viajado? Morado os anos que decidiu morar em Paris? Conheceu a Africa? Viajou os a América de moto? Encontrou a profissão que lhe fizesse feliz? Ou outra que lhe fizesse rico? Ou teria sido brilhante para ser feliz e rico? Teria ele tido filhos? Menino? Menina? Qual o nome? Quantos anos teria? Onde estaria agora? Como será que ele conheceu aquela mulher? Estavam casados a muito tempo? Alias, estavam casados? Era ela sua mulher? E netos? Sempre quis ter netos, mais do que queria ter filhos. Onde ele morava? Teria ele vivido a vida que quis? O que fizera com aqueles planos, tantos planos? Por que perdera sua vida assim? Onde foi parar a sua vida?
As perguntas não tinham fim, mas era aquela a realidade.
A velha mulher entrava e saia do quarto sem parar de falar. E falava alto, mas, tamanho era o choque, as palavras não faziam o menor sentido. Olhou pra ela com olhos de desespero, já que as palavras não saiam da sua boca, querendo qualquer resposta. Ela apenas sorriu com olhos de ternura e se calou. E ele, nesse instante, mesmo sem entender nada, aceitou tudo.
Lentamente se arrumou com roupas que não conhecia e se postou pronto para acompanhar aquela mulher à missa das dez. Já eram 09:30h.

domingo, 29 de maio de 2011

Turbulências


Todos as relações têm turbulências. Relações de trabalho, familiares, sociais, afetivas e amorosas. Todas as turbulências tem inicio, meio e fim. Quem é sábio, evita as turbulências, mas algumas são, por natureza, imprevisíveis e, as vezes, se estabelecem sem que a gente nem perceba por que.. Conflitos corriqueiros, desentendimentos, má impressões, rupturas. A gente sempre podia ter evitado, mas nem sempre dá.

Algumas delas, a gente mesmo promove. Resultado de algum desconforto que, só pelo conflito, expondo a ferida, vai ser resolvido. Ou não. Tipo aquela coisa que a gente acha que vai descer pela goela e, passa o tempo, não desce. É preciso vomitar, por pra fora, custe o preço da relação. Até porque com a espinha na garganta há relação que resista.

Mas, exposto o problema, o próprio problema muda. O foco para de ser a angustia de se ter um problema e a coisa toma o rumo da praticidade. Quanto tempo a gente perde remoendo vaidades enquanto o problema real está ali na frente, pequeninho e intocado. É preciso atacar o problema pra ter a chance de ser feliz e parar de ruminar magoas.

O sábio, aquele mesmo que evita as turbulências, também é aquele que sabe colocar de lado a vaidade e as magoas e consegue colocar na mesa o próprio problema. Ele não tem tempo a perder e sabe que ser feliz requer um tempo dedicado à felicidade.

O tempo é curto. A vida também.

Sejamos felizes. Sejamos práticos para contornar as turbulências que nos impedem ou atrasam a felicidade. A felicidade está ali na frente, por detrás dessas nuvens, além daquela montanha, bem na sua cara.

Sejamos felizes. Sempre.

preto e branco

Preto e branco seu retrato
mesmo assim, maravilhoso colorido
subscrito, subentendido, substrato
preto o teu vestido, fantasio,
longo em sua elegancia,
branco em varios tons...

teus olhos procuram...
ataccam, perguntam, sugerem
com toda a seguranca de quem tudo sabe.
Inclusive aquilo que nao sabe.

você pode não saber
mas seu olhos sabem.
muito.

eu vi no seu retrato
em preto, em branco, em muitas cores.
Colorido e abstrato.

sábado, 28 de maio de 2011

A menina flutua



A menina corre no ar. Tem asas nos pés e um mundo inteiro pra percorrer. Se tropeçar, cairá no chão de nuvens, ajeitará seu vestido de princesa e de novo vai voar. A menina corre sem direção, atrás das borboletas ou do herói da sua imaginação. Sem medo do porvir, sem medo de deixar nada pra trás, ela corre e ri. A menina feliz corre. Flutua nas historias que inventa e com isso vai a onde quiser. Sem planos nem receios, vai a onde o seu sonho lhe levar.

A menina corre feliz no ar. Será sempre menina. Será sempre princesa, vivendo no seu pequeno e infinito mundo cor de rosa, em companhia de fadas, príncipes, magia...

E vai crescer, forte e bonita, inteligente e sabida, e conquistará seu mundo com charme e doçura. E nada lhe fará mal, pois é dotada de grande proteção vinda do amor que cultiva e colhe.

E será sempre feliz e sempre terá asas nos pés e sempre voará.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sonho da bicicleta


Ontem eu tive um sonho louco. Não sou de sonhar muito, pelo menos não enquanto durmo. Ou não lembro de sonhos. Mas este eu lembrei. Não só pela história, como pela riqueza de detalhes. Ai vai:

Aquilo era um bairro de subúrbio, não parecido com os que conheci, mas era inconfundível as ruas estreitas, de paralelepípedo e casas coloridas de no máximo dois andares, com roupas coloridas, secando ao vento no terraço.

Ele andava em sua bicicleta preta por essas ruas estreitas até chegar ao que parecia ser um campo de futebol. Era uma daquelas quadras de cimento, com marcas gastas das linhas do campo, sem traves, bem no meio de uma praça com lama, grama, poucas árvores e pouca graça. Quando chegou a praça estava deserta, ou essa foi a sensação, pois havia umas poucas crianças jogando bola ou correndo ao longe. Estava entendendo ainda quem eram aquelas outras crianças quando um homem veio e lhe tomou a bicicleta. Mas o tomar não foi aquela coisa simples de “me passa a bicicleta”. Ele não sabe como foi. Mas seu rosto doía e ele estava no chão, sendo observado com perplexidade pelas crianças que estavam na praça. E naquele instante, era ele pura vergonha.

A vergonha era tanto que, sabe-se lá por quanto tempo, ele não voltou pra casa. E ele não voltou pra casa por tempo bastante. Quando voltou, seu pai havia morrido. Ele não sabe como, nem quando, nem porque, mas seu pai havia morrido.

O tempo passou de novo. Ele cresceu. Cresceu marcado pelo roubo da bicicleta e pela morte do pai. Mais por não estar presente quando seu pai morreu. E cresceu seco, amargo, desesperanço. Não tinha família, mulher, filhos, poucos amigos, quase nenhum. Trabalhava e nisso era bom. Ele era escritor ou jornalista ou algo do gênero, mas fato é que era muito respeitado e esse respeito lhe dava um isolamento que ele sempre havia cultivado e prezava. Mas ele sabia que lhe faltava algo e que era algo que lhe havia sido roubado junto com aquela bicicleta preta.

Um dia, andando pela rua, avistou o ladrão. Ao contrario dele, o homem não envelhecera. Usava as mesmas roupas do dia do roubo – coisas de sonho, né?. Isso lhe facilitou reconhecer o ladrão. Por instinto, seguiu o homem que seguia a pé. Foram parar no mesmo subúrbio onde ele estava antes. Descobriu que o ladrão trabalhava em uma loja tipo uma lan house, que fechava cedo e que todos saiam na mesma hora, como se fosse uma saída de colégio. Vigiou o ladrão por uns cinco dias consecutivos na porta do seu trabalho e, depois de criar coragem, o seguiu até em casa. E esse caminho era um emaranhado de becos estreitos e escuros. Chegaram a casa do ladrão

Ao entrar em casa, o ladrão o surpreendeu, virando em sua direção. Antes que o ladrão pudesse lhe perguntar porque ele o estava seguindo, ele disparou dois tiros, lhe acertando o peito e a face. Não era o que ele havia planejado, nem o que queria fazer, mas foi tomado pelo medo e assim o fez. Dois tiros assustados.

Frio e calmo, decidiu esconder o corpo. Procurou naquele beco e não foi difícil achar o lugar perfeito. Era um quarto escuro, com paredes de pedra, uma única porta e uma janela alta, quase no teto. Ao voltar para buscar o corpo do ladrão, viu, numa área externa, uma bicicleta preta. Não teve a menor duvida. Era a sua. E lembrou num flash de tudo aquilo que havia acontecido, de toda humilhação que havia passado...

Levou o corpo ao quarto escuro e voltou no dia seguinte para a porta do lugar onde o ladrão trabalhava. E tudo estava na maior normalidade, sem qualquer alteração do movimento, como se nada houvesse acontecido. E assim foi por uns três dias. No terceiro dia, ele entrou na loja e perguntou onde ele estava. A dona da loja disse que não sabia, mas que tudo bem, que provavelmente ele havia ficado doente.

Ele não queria ter matado o ladrão. Queria sim, lhe dizer que sua vida era uma merda por conta daquele assalto. Que seu pai havia morrido e ele não fazia idéia do porque e que isso também era culpa daquele assalto. Que sua vida era miserável pois ele havia perdido toda a alegria na merda daquele dia. Mas agora ele não tinha mais a quem dizer isso. A angustia que ele ansiava em dividir era, agora, perpetuamente sua.

E pior, ninguém havia dado falta do assaltante, exceto, ele. O morto era agora seu único vinculo com aquilo que fora sua vida, seu elo perdido, seu descaminho. E ninguém sentia falta dele.

Ele foi à policia. Disse que seu amigo estava desaparecido e que, procurando por ele, achara o corpo e que levaria a policia até lá.

Ao chegar no quarto, não havia corpo. Havia só uma bicicleta preta.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Comida e prazer!

Quando a gente é criança, até uns 9 anos, nossos problemas são fome e tédio. Se temos a barriga cheia e alguma brincadeira legal, estamos felizes . Quando crescemos um pouco, lá pelos 12, 13, as necessidades são as mesmas, comida e prazer. Acontece que os prazeres vão um pouco além das brincadeiras de carrinho e bonecas. Aprendemos os prazeres do nosso corpo. E do corpo dos outros! Lá pelos 18 até os 24, nossos problemas continuam os mesmos: fome e tédio, comida e prazer. Mas nossos prazeres são mais elaborados. E mais complexos. Não somos mais crianças, já podemos dirigir e entrar no motel. Às vezes temos problemas em administrar prazeres. Queremos muitas coisas e temos pouco tempo...

Existe a escola, a faculdade, que até serve para uns como um prazer. Amigos, festas, coisas leigais. Para outros ela é encheção de saco. Mas a escola serve pra gente se preparar, pois, sem ela, pra maioria das pessoas, a gente não consegue emprego. Sem emprego, não há dindim, sem dindim, não dá pra comprar prazeres. Nem comida.

Os chatos vão falar que dá pra ter prazer sem dinheiro e eu até concordo que dá pra ter vários prazeres sem dinheiro. Mas com dinheiro dá pra ter mais... 

Daí, a pessoa se enfurna no trabalho. Afinal, mais trabalho é mais dinheiro. Mais dinheiro é mais prazer. Not. Mais trabalho é menos tempo. Menos tempo é menos prazer. E ai? Como faz pra equilibrar? Como faz pra ir pra Paris ser infeliz?  Por que eu só quero ser infeliz se for em Paris, bebendo champanhe nacional. Ou a pessoa tem dinheiro e não tem tempo ou a pessoa tem tempo e não tem dinheiro. Ah tá, férias, né? 20 dias de ano em ano, né? Que beleza!

E quando a pessoa tem filhos? Filhos são o maior prazer desse mundo. Mas, na real, seu tempo fica curtinho, né? Sabe aquelas férias de 20 dias? Pois é. É seu momento de poder passar as tardes com os pequenos... Bye bye Paris, sacou?

Tenho inveja dos autônomos satisfeitos e com tempo livre e que têm prazer trabalhando. As vezes eu tenho prazer. E normalmente é quando acabo de fazer algo torturante. Ou difícil. Ou torturante e difícil...

A sorte é que esse simplismo assim é tosco de tão idiota. Nada disso é simples. Não dá pra falar de modelo em se falando de vida. A não ser simplificando o modelo. Não dá pra simplificar a vida, né?

Escrevi coisas que não tinham nada a ver com o que eu queria escrever, mas foi o que deu pra fazer.

Viva a vida complexa e louca e cheia de altos e baixos! Viva o agora!Viva o prazer de estar vivo agora!

quarta-feira, 18 de maio de 2011

sobre a frequencia desse lugar.


Triste com a impopularidade do blog. Acho que to meio mal acostumado com o facebook. Fui consultar os amigos.

LC me disse que eu escrevo bem, mas que meus textos têm pouca emoção. Disse que eu devia escrever alguma coisa sem reler depois. Que isso ia me fazer bem. Fiquei preocupado se é meu texto que tem pouca emoção ou se seria eu. Fiquei tenso também em tentar escrever uma coisa sem lê-la depois. Também fiquei preocupado em pensar que o LC estava me dando conselhos de coisas que iam me fazer bem...

Clarissa fez um silêncio sepulcral. O que eu achei delicado da parte dela. Ainda mais que ela ta se esbaldando em terras hermanas. Pedi a ela pra trazer felicidades e duas garrafas de whisky do free shop.

Laura leu e me mandou um poke no facebook. Eu não compreendo claramente o sentido do poke no facebook, mas tendo a crer que é algo gentil.

Mas, na real, nenhuma palavra sobre o blog. Deve ser que ele tá tão bom que deixa as pessoas sem palavras... rsrs

terça-feira, 17 de maio de 2011

E o ciúmes?


Quando eu era mais novo, eu tinha uma máxima: “eu não sei o que é ciúmes e não tolero que sintam ciúmes de mim.”
Eu realmente não tinha. Não sabia do que se tratava. Não entendia o que acontecia na cabeça das pessoas quando elas começavam a fazer besteira por que sentiam ciúmes.
Alias, nunca entendi e continuo sem entender a diferença entre ciúme e ciúmes?
Até meus 22, 23 anos, eu literalmente cagava para sentimentos de insegurança. Afinal, eu era atleta, popular, gente boa. Obvio que essa opinião não era unanime e provavelmente nem era a opinião da maioria, mas essa era a opinião que eu tinha de mim e, portanto, a que me interessava e a qual eu me apegava. Então, não passava pela minha cabeça ser inseguro. Literalmente, eu era mais eu. Muito mais eu.
Esse comportamento sempre foi meio egocêntrico. Na verdade, bastante egoísta. Aliás, acredito muito que ninguém é 100% altruísta ou generoso 100% do tempo. Temos momentos de generosidade, momentos de egoísmo, momentos de calma, de ansiedade. Também acredito que não adianta buscarmos os sentimentos que mais admiramos, pois é impossível sustentá-los o tempo todo. Acho que o caminho é sempre o equilíbrio. E o equilíbrio era, há dez anos atrás, um ponto muito vaidoso pra mim.
Mas isso é outra história. Nessa época, até meus 22, 23 anos, eu defendia mais o meu ponto de vista e era menos tolerante, ou melhor, sensível, ao sentimento alheio. Acho que foi um pouco de adolescência tardia, inclusive. Mas, independente da causa, eu não sentia ciúmes. Ou não me dignava a sentir. Havia mulheres mil, de tipos mil, de lugares mil, de um jeito ou de outro à minha disposição. Como poderia eu saber o que era ciúmes, se, a qualquer sinal de envolvimento, meu ou da moça, eu já pegava o caminho da próxima? Alias, nessa época era sempre melhor a próxima... Essa certeza era tão grande que eu não precisava olhar muito além do meu umbigo e gostava muito do umbigo que eu tinha. E gostavam dele também.
E, com o passar do tempo, o umbigo foi crescendo. Cresceu junto com a barriga e a adiposidade. Cresceu no abandono das competições, da vida de atleta, na descoberta dos prazeres etílicos universitários, na falta de tempo por trabalho. Enfim, o umbigo cresceu e não era assim, dilatado, tão atraente para mim nem para as mulheres com as quais eu me envolvia. De repente, eu me vi numa situação nova, na qual eu precisava elaborar uma abordagem, uma estratégia.  Eu precisava, enfim, me esforçar.
Não foi um processo assim, automático. Pelo contrário, ele foi muito lento. Ainda ocorre e está longe do fim. E, ao mesmo tempo que ele foi libertador, teve seus momentos doloridos.  Essa descoberta do eu, formado pelas minhas palavras e idéias e que fica bem longe do espelho, é uma puta experiência. Não, não pense que é tolice. Talvez até seja, mas, pra mim, que fugi de me aprofundar em grandes emoções durante muitos anos, descobrir-me é uma puta experiência.
Talvez isso não seja de todo verdade. Talvez eu não tenha sido tão hermético, frio e vaidoso assim. Talvez eu também eu não tenha evoluído tanto para ser o que eu sou hoje. Talvez o que eu seja hoje não seja grandes coisas. Mas, o barato disso é que, em certo grau, sei lá qual, meus valores mudaram. O que é importante mudou. Continuo, como sempre, um admirador descomedido do belo, mas o conceito do belo pra mim mudou. Cresceu, se aprofundou, está diferente. Alguns chamam isso de amadurecimento e não me interessa qual o nome se dá a isso. O importante é o prazer em curtir essa mudança.
O importante é o prazer.
O importante é o prazer  de me conhecer, eu mesmo. Digo, de eu mesmo me conhecer. Não garanto que eu vá ser interessante para uma outra pessoa. Não tenho a menor pretensão de convencer e conquistar, exceto quando eu quero convencer ou conquistar. O que não é raro. Mas isso também é outra história.
Eu precisei começar a me conhecer coincidentemente ao mesmo tempo que o umbigo foi se tornando mais fundo e ao mesmo tempo que eu descobri que me conhecia pouco. Passei anos da minha vida sendo um fugitivo das minhas emoções, racionalizando sensações irracionais. Teorizando sobre coisas que só se podem e se permitem sentir.  E sempre me frustrava com os rompantes passionais que, aprisionados, transbordavam sem mas nem porquê. E sobre os quais, eu, depois, na maior cara de pau, elaborava complexas tramas lógicas...
Tolo. Sempre fui tolo. Nunca quis ser o mais esperto. Esperto no sentido de ser malandro. Nunca fui malandro. E essa era mais uma das minha tolices. 
Eu não me conheço. Mas me conheço mais do que há dez anos atrás. E, na média, gosto de mim pra caralho. Longe de ser incrível, mas também longe de ser modesto, já ouvi que uma das minhas características é que eu era “bom”. E, por me conhecer um pouco, pude concordar. Mas, o que eu gosto mesmo são os meus defeitos. São as vezes minhas maiores qualidades. Como, por exemplo, ser capaz se ter três ou quatro opiniões distintas sobre um mesmo assunto, navegar por elas como quem vai a padaria e volta e sentir-me completamente coerente.
Mas esse texto era sobre ciúmes e eu, como sempre, me perdi. Sempre fui meio tijucano na minhas relações afetivas. Apesar de viver a maior parte da vida em mudanças, morando, trabalhando ou estudando por todas as regiões do Rio, parece que eu nasci meio tijucano. Sabe aquela coisa que quer ser moderno mas não consegue? Aquilo de, apesar de tudo, ter um padrãozinho pra tudo? Nada contra a Tijuca, que fique claro, inclusive porque a maior parte dos tijucanos nunca passou sequer pela tijuca... tijucano é um estado de espírito e não é preciso aprofundar-me mais nisso.. O que importa é a relação de ciúmes em sendo, assumidamente, tijucano.
Nos meus 22, 23 anos, ou melhor, até lá, eu não sabia o que era ciúmes. Mas sabia o que era chifre. E corno eu não queria ser. Não era defensor da monogamia nem um pilar dos bons costumes,  mas não queria ser corno.  A traição carnal, física, sexual era um problema, uma coisa imperdoável, principalmente por conta da vaidade. E, por outro lado, eu não dava o menor valor as conquistas que eu tinha. Eu tinha a vaidade e não queria ser corno, por vaidade. Simples assim.
Mas, a medida que eu passei a ter que me esforçar, uma vez que meu umbigo se dilatava e meu senso estético se apurava, eu comecei a reconhecer o preço das vitorias que eu tinha. Não era mais vaidade apenas. Era o preço do meu suor e lábia. Além disso, no processo de me conhecer, o Mário descobriu que ele não era assim, uma Brastemp. Nem mesmo um CCE. Era, no máximo, um cara legalzinho. Pra minha sorte, há poucos cara legais no mundo. Digo, há muitos, mas a concentração é baixa por essas bandas de cá. E, voltando naquela coisa de que ninguém é 100% alguma coisa 100% do tempo, eu to longe de ser legal 100% do tempo. No máximo 10, e é pela taxa de serviço...
Daí, aquele cara que tinha uma máxima -  “eu não sei o que é ciúmes e não tolero que sintam ciúmes de mim -, morreu.
Vai chegar o dia em que ele vai ser um sentimento bem pequeno, mas por enquanto ele ta por ai, ocupando um espaço gigante onde podia morar a alegria, a felicidade, o amor. Sim, eles existem em grande escala (ô sorte!) na minha vida, mas o ciúmes é sempre um peso morto. Eu deixo ele quieto, procuro não mexer com ele, pois ele tem dentes e garras, memória longa e mão pesada e pode machucar. Há também ainda a vaidade tijucana de não querer ser corno, mas já não é tão importante. Nem o ciúmes deveria ser, mas, sabe como é, eu ainda me conheço pouco e, apesar de eu estar indo bem comigo, ainda preciso me conhecer melhor...

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O riso da espera (1999)


O riso de quem espera um sorriso
é o riso de quem só tem o esperar.
Desespera se o sorriso não vem,
vem a lágrima de quem não tem.

O riso de quem espera ri,
sozinho  se aperta em si,
não se cabe, não se cabe.
Riso não canta.

A espera de quem ri é a melhor.
Espera sem pressa,
não chora se demora
mas sabe onde a tristeza mora.

Meus (1996)


       

Se ainda estou aqui, ainda posso ir.
Se posso ir, não vou.
Se vou, poderei ferir.
Se ferir, já te avisei.

Se anoiteço, não sorrio.
Se sorrio, é passageiro.
Se o mantenho, é esquecimento.
Se o fortaleço, eu já não sou.

Se acredito, desmorono.
Se desmorono, me levanto.
Se me levanto, ainda estou vivo.
Se estou vivo, ainda acredito.

Se estou só, sou só.
Se sou só, sempre o fui.
Se sempre o fui, foi por escolha.
Se escolhi, foi por ser livre.

Se congelo, é reação.
Se endureço, é opção.
Se explodo, é o limite.
Se me escondo, é para não explodir.

Se isto escrevi, aconteceu.
Se aconteceu, isto sou eu.
Se assim o sou, não me conheço.
Se não me conheço, onde estou?

M.

Sobre o tempo...


Sinto falta de tempo. Tempo livre, sabe? A semana corrida. A sensação permanente de cansaço. Um monte de projeto na cabeça. Alguns projetos no papel, poucos colocados na rua, quase nenhum colocado pra fora. Muito tempo no trabalho. Fora do trabalho, mais trabalho, coisas pra estudar, aprender, ler, ouvir, conhecer... O mundo fervilha! As idéias rodopiam na cabeça que, alucinada, trabalha madrugada adentro.

O despertador toca as três da manhã. Esse é o limite pra ir dormir. Mas o corpo só desaba lá pelas quatro e as oito, hora de levantar, ele não obedece a cabeça, que já começa a trabalhar em idéias.

Idéia é aquele pensamento que vem pra encaixar no problema que atormenta, mas as vezes é uma coisa bem bacana que vai dar um baita problema pra colocar em prática.

São muitas coisas ao mesmo tempo. Incêndios no trabalho, o medo constante de não ser competente para o trabalho, atrasos na obra em casa, o eletricista enrolado, a filha que precisa mais de pai,  a mãe doente que recusa ajuda, a mulher de TPM, o carro que precisa de vistoria, o saldo da conta que cada vez diminui mais, os inquilinos que não pagam seus alugueis, o inventário que não sai, as fotos que eu não consigo fazer, o arquiteto que eu quero contratar, os amigos  que não consigo mais ver e aqueles que não consigo mais entender, a barriga que não para de crescer, a corrida que não consigo dar, o jiu-jitsu que não tenho tempo pra praticar, o inglês que não consigo estudar, a pos graduação que eu não agüento mais postergar, a viagem que não consigo planejar...

Mas isso não é uma reclamação. Longe disso. Se fosse reclamar de algo, reclamaria desse cansaço permanente. Desse estado letárgico que come meu tempo. Tempo precioso pra fazer coisas importantes!

Queria ter tempo pros amigos. Um dia por semana pra cada um deles. E uma semana com 50 dias. Não que eu tenha cinqüenta amigos, mas para alguns momentos talvez eu fosse precisar de algum deles por mais de um dia na semana. E na verdade, eu queria ter esse tempo pra poder escutar suas histórias, pra saber de suas vidas, pra perder tempo e ganhar vidas...

A sensação constante de que o tempo passa mais rápido e que cada vez tenho menos tempo. Mesmo quando é feriado, fim de semana, férias, a sensação é que não dá tempo...

Dai, vem a vontade de largar tudo. Tudo que toma tempo. Ou tudo aquilo onde eu perco tempo. Mas o que seria isso? Trabalho? Estudo? Louça? Só rindo... O que me toma tempo é o que sou. O que me estressa é o que me acalma. Só de, por trinta segundos, pensar em não ter trabalho, me dá uma crise histérica. Sem grana, com tempo livre? Rá! Nem consigo imaginar... Talvez se eu ganhasse na mega-sena ou algo assim...

Esse papo já se descaminhou. Não era nada disso que eu queria falar. Queria falar que sinto falta de tempo. De dar utilidade e prazer ao tempo. Como se faz?