Pesquisar este blog

terça-feira, 31 de maio de 2011

Acordou cedo e...

Acordou cedo e não sabia onde estava. Não reconhecia os lençóis nem a meia luz do quarto. Era estranho estar naquele lugar. Não sabia onde estava, mas lhe parecia familiar. Talvez ainda estivesse sonhando e demorou mais de meia hora para perceber que aquela estranha sensação era realidade. A realidade. 
Seus óculos eram seus, pois acordou com eles e com eles enxergava bem. Reconheceu os óculos e só. Todo o resto lhe era estranho, ainda que com um que de familiaridade. Ao seu lado na cama, a temperatura ainda estava morna. Havia alguém ali. Alguém pra lhe esclarecer se seria um sonho ou o qualquer coisa que estivesse acontecendo...
Levantou com dificuldade e, além da estranha sensação, sentia dores no corpo. Lembrou da noite passada e das cachaças misturadas com cerveja que havia tomado. Tinha ido a uma festa de gente bonita, de amigos dos amigos e apresentou a idéia de tomar cachaça misturado com cerveja. Foi a sensação na festa. Estava acostumado a beber isso e gostava da mistura, mas ontem havia exagerado. Talvez por isso não lembrava o que aconteceu para ter tantas pequenas dores no corpo.
Concluiu que a noite tinha rendido algo e estava na casa de alguma das muitas menininhas da festa de gente bonita.  Por um segundo ele até se animou. Mas no mesmo instante pensou que, se ele não lembrava onde estava nem como havia chegado lá, a menina podia ser do time das barangas.
De repente, a porta do quarto se abre e uma senhora de seus oitentas anos vem e lhe fala, ‘Até que enfim você acordou. Dormiu que nem uma pedra! Estamos atrasados pra missa das dez’.
Quem era essa senhora?? Teve a certeza de que estava num pesadelo daqueles que a gente não consegue acordar e tudo o que queria era sair dali.
A mulher falava e falava e ele, em choque, não conseguia entender uma só palavra. Tentou abrir a boca para falar, para perguntar o que estava acontecendo, mas o som não saia da sua boca. E aos poucos percebera que, assim como o lugar, aquela senhora lhe era bastante familiar... Se concentrou nisso e depois de algum tempo, sem entender porque, soube que aquela senhora era sua esposa. E, pela primeira vez desde que acordara, olhou suas mãos. Estavam velhas, enrugadas, marcadas pelo tempo. Tentou correr para o banheiro, mas seu corpo velho e dolorido era lento demais para a angustia que sentia. Olhou-se no espelho e viu-se aos noventa anos. Velho, gordo e mal cuidado. E sem conseguir falar.
Teve a certeza de estar em seu pior pesadelo, mas os minutos iam passando assim como a sensação de realidade em tudo ia se firmando. Aquilo era real. Mas como? Sua última lembrança era de sessenta anos atrás, numa festa de gente bonita. Onde estariam esses sessenta anos? O que ele fez com todo esse tempo? Quem era ele naquela idade? As perguntas eram infinitas e ressoavam em sua cabeça como um trombone e a realidade lhe pesou como uma avalanche. E, porra, por que não conseguia falar?
O que ele fizera com seus planos dos vinte, trinta anos? Teria ele viajado para os lugares que ele queria ter viajado? Morado os anos que decidiu morar em Paris? Conheceu a Africa? Viajou os a América de moto? Encontrou a profissão que lhe fizesse feliz? Ou outra que lhe fizesse rico? Ou teria sido brilhante para ser feliz e rico? Teria ele tido filhos? Menino? Menina? Qual o nome? Quantos anos teria? Onde estaria agora? Como será que ele conheceu aquela mulher? Estavam casados a muito tempo? Alias, estavam casados? Era ela sua mulher? E netos? Sempre quis ter netos, mais do que queria ter filhos. Onde ele morava? Teria ele vivido a vida que quis? O que fizera com aqueles planos, tantos planos? Por que perdera sua vida assim? Onde foi parar a sua vida?
As perguntas não tinham fim, mas era aquela a realidade.
A velha mulher entrava e saia do quarto sem parar de falar. E falava alto, mas, tamanho era o choque, as palavras não faziam o menor sentido. Olhou pra ela com olhos de desespero, já que as palavras não saiam da sua boca, querendo qualquer resposta. Ela apenas sorriu com olhos de ternura e se calou. E ele, nesse instante, mesmo sem entender nada, aceitou tudo.
Lentamente se arrumou com roupas que não conhecia e se postou pronto para acompanhar aquela mulher à missa das dez. Já eram 09:30h.

Nenhum comentário: