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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O dia amanhece e ela nem dormiu

São cinco horas da manhã. O dia amanhece e ela nem dormiu. Olha pela janela suja do ônibus a vista do mar. À frente, vê o contorno suave da luz por detrás da montanha. E denuncia-se um céu sem nuvens de um dia que será quente. De hoje em diante todos os dias serão quentes. Seu corpo está exausto, foram horas de trabalho. Trabalho e prazer. Tem prazer no trabalho pelo simples motivo que, sem trabalho, sua vida é um caos. Pensa assim ou se esforça em acreditar nisso. Pensa assim ou se esforça faz tanto tempo que já não se importa mais. O importante era que, ali, naquela manhã, naquele dia, ela tem um trabalho. Ela está exausta e feliz. Passou seis meses sem ganhar nenhum tostão. Sua vida estava um caos. E agora tinha um emprego. Um emprego de merda. Mas, ela sabia – e ela sabia bem – que merda é não ter emprego. E mesmo sabendo que era aquele um emprego de merda ela estava feliz. Olha pela janela, vê a paisagem mudar e o mundo passar, e acredita que as coisas estão mudando. Finalmente. Ela tem fé. E ela nem sabe que tem fé.

Seus pensamentos estão vivos e dispersos. Enquanto o ônibus avança veloz pelas avenidas sem trânsito, sua cabeça dá voltas. O corpo, quando cansado parece abrir um espaço para novas sensações da mente. E nessas sensações misturam-se pensamentos do cotidiano, lembranças, memórias, suposições, desejos, fantasias, medos, sonhos. E olha pela janela e pensa na conta atrasada do celular, no conserto da máquina de lavar, na roupa pra escolher do casamento da prima que vai ser no sábado agora. Ela conta as horas de sono que perdeu na semana por conta dos pensamentos que tem, lembra do homem que sorriu pra ela no elevador e que pareceu olhá-la na alma, deixando-a rubra, lembra da última vez que teve um orgasmo. Suspira. A paisagem muda, o tempo passa, e ela pensa que precisa conversar com seu namorado e lhe dizer que as coisas não estão legais, mas que na verdade ela não está legal e que ele é sim muito legal e que seria bom se ela conseguisse lhe pedir, de novo, pra ter paciência. Ela pensa no ex e sente culpa, mas pensa de novo e respira. Ela pensa que queria viajar, largar tudo e viajar. Deixaria o filho com o pai e viajaria um ano ou dois. Iria a lugares que ela nunca foi, visitaria de novo os que já conhecia. Iria sentir saudade do filho, mas tem suas dúvidas naquele momento. Pra viajar do jeito que ela quer, ela precisa de dinheiro e pensa que podia ganhar na mega-sena. Acumulou em trinta milhões. Guardaria vinte e cinco e com o restante viajaria o mundo e ajudaria a família. Ela respira e pensa se realmente ajudaria a família. Talvez por culpa, mas no fundo no fundo ela sabe que não quer ajudá-los. Pensa nos vícios do pai e na doença da mãe e em como está, mesmo sem querer, se tornando um misto do pior dos dois. E tem dúvidas se é pra ser assim ou se ela pode mudar isso. Pensa nos vinte e cinco milhões e faz as contas pra ver quanto ela poderia gastar por mês sem torrar todo o dinheiro. Não sabe se sabe fazer essa conta e pensa no ex de novo. Talvez ele pudesse ajudar. E ela se sente culpada de novo por pensar nele de novo. Confunde-se e perturba-se sozinha, por isso respira. Pensa que precisa arrumar um emprego decente, no qual não passe as madrugadas fora, no qual trabalho naquilo que estudou, naquilo que lhe de prazer. Pensa e pensa e já não sabe realmente o que lhe dá prazer. Lembra de novo do homem do elevador e em seguida no namorado. Eles precisam conversar.

E assim, nesse instante, ela pensou tudo isso e está na hora de descer do ônibus. Está perto de casa, um quarteirão de distância. Pára na padaria, compra três pãezinhos quentinhos e cheirosos.   E o cheiro afasta tudo aquilo o que ela estava pensando. Seu corpo está exausto, mas no elevador de casa ela abre um sorriso por estar ali. A mente começa a descansar e o sono já dá sinais. Deixa o pão na cozinha, vê a mãe dormindo no sofá da sala, vai ao quarto e dá um beijo no filho que também dorme. Olha o menino e vê como ele cresceu. Parece que foi ontem que ele ainda mamava. Fez-lhe um carinho, no que ele, sem despertar, sorriu. Sabia ele que a mãe havia chegado. Ela olhava aquilo que lhe era mais valioso e era a prova de que ela era boa em alguma coisa. Foi à cozinha, fez um café, sorriu, e enquanto esperava, acendeu um cigarro. Não estava onde queria estar, mas era o que tinha pra hoje e estava feliz por finalmente aceitar que a vida assim, uma possibilidade entre mil. Daqui a pouco seu filho acorda e é outro dia. Ela vai esperar pra ganhar um abraço dele. Está precisando.


quinta-feira, 22 de setembro de 2011

21 anos.


21 anos é uma eternidade. Onde você quer estar daqui a vinte e um anos? Como você será? O que terá acontecido ao longo desses vinte e um anos? 21 anos é uma eternidade. Se eu estiver vivo, e falo isso respeitando a morte como quem respeita um velho amigo, daqui a vinte e um anos eu terei 55 anos. Minha filha terá 27. Já será uma mulher e já terá uma longa história. Já poderá ter sido mãe e eu já poderei ter sido avô. Imagino quantos netos terei. Será apenas um, mimado e genioso como eu fui? Serão dois, três...

Daqui a vinte e um anos, por que lugares eu terei passado? Que histórias novas eu terei para contar? Quais histórias eu terei esquecido e quais as histórias que eu nunca esquecerei.

21 anos é muito tempo. Uma eternidade. Mas os que nascem hoje, daqui a 21 anos, estarão se tornando legalmente maiores. (Confesso que nunca sei qual a diferença da maioridade aos 18 para aos 21, se é que ela ainda existe. Está tarde para consultar meu advogado). Daqui a vinte um anos, os nascidos hoje, 22 de setembro de 2011, se tiverem boa sorte e se o sistema de ensino for o mesmo que o atual, eles estarão no meio pro final da faculdade, naquela fase em que começamos a ter segurança, nos achando adultos, mas que continuamos a fazer as mesma merdas que fazíamos quando adolescentes... Se bem que alguns nunca deixam de fazer. Desejo saúde aos que nascem hoje e que estes tenham sorte de chegar com felicidade aos 21 anos, daqui a 21 anos...

21 anos é muito tempo. Quantas pessoas novas você vai conhecer nos próximos 21 anos? Com quantas será apaixonado? Com quantas fará amor? E com quantas fará uma sacanagenzinha casual? Além disso, quantas se tornarão amigos? Amigos de verdade, com os quais você possa caminhar os 21 anos seguintes – no meu caso, até os meus 76 anos de idade.

Quantos livros você terá lido? Quantos filmes você terá visto? Por quantas revoluções tecnológicas você terá passado? Imagine você contando aos seus filhos, seus netos, que você teve um Ipad 2 e eles te perguntando o que era isso ou  como você conseguia operar algo tão tosco, tão arcaico. Imagine, daqui a 21 anos, como serão os carros, as ruas, como se vestirão as pessoas...

Será que daqui a 21 anos nosso planeta terá sobrevivido há nós? Quantas “crises” econômicas ocorrerão até lá? Será que os oceanos invadirão as cidades? Será que ainda teremos calotas polares? E petróleo? Estaremos cavando até o centro da terra para buscar energia? E o clima, que já está louco, o quão insano estará daqui a 21 anos...

São infinitas as perguntas e as possibilidades para daqui a 21 anos. Seriam perguntas sem fim. E sem uma resposta precisa. Não agora. 21 anos é muito tempo.

21 anos atrás minha vida mudou. Há 21 anos eu perdi algo muito importante. Muito. Foram doídos esses 21 anos nessa coisa que mudou. Pesou, deu saudades, deu raiva, deu medo, deu um monte de coisa. Por conta disso, eu tive que me virar. E, muito por conta dessa perda, e de ter que me virar, eu sou quem eu sou hoje. E só hoje, passada essa eternidade, eu pude entender porque e aceitar essa mudança, essa perda. E é muito bom, bom pra caralho, poder sentir que, mesmo tendo se passado 21 anos, está tudo finalmente bem. E que eu to muito feliz de que as coisas estejam finalmente bem em mim. Feliz demais.

Obrigado ao tempo que cura e ao tempo que temos para aprender. Obrigado.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A triste história de um homem de sorte


Ele sempre achou que tinha uma sorte extraordinária.

Ele não teve aquele tipo sorte de nascer em berço de ouro. Nem de prata. Nem mesmo de bronze.  Não teve a sorte de ter uma família normal – se é que há alguma família que seja normal. Família normal pra mim é a síntese do antagonismo. Mas fato é que a dele era menos normal que a maioria. Ou ao menos, ele pensava assim.

Ele não teve a sorte de ser um gênio e ter tido uma carreira profissional meteórica e ter ganhado rios de dinheiro. Não havia sido nem um super atleta ou um prodígio em qualquer área. Não era famoso, não ganhou na mega-sena. De fato, não ganhava nem no bingo, nem na rifa e nem na porrinha...

Não achava nada disso sorte. Sorte de fato. Sorte era o que ele tinha. Tinha certeza de que era um cara de uma sorte extraordinária. Tinha absoluta certeza.

Nada de mal lhe acontecia. Trabalhava, estudava, se divertia, tinha bons amigos, errava e acertava na vida e o saldo era sempre bom. Por isso se achava um cara de sorte.  Não lhe sobrava dinheiro, nem tampouco lhe faltava. Aos amigos, tinha sempre alguns por perto. E se não tivesse, o acaso lhe aparecia com novos amigos ou amigos de ocasião.

Sempre que algo ruim inesperadamente acontecia, era certo de que algo extraordinariamente bom iria lhe acontecer em seguida. Assim, ainda que se machucasse com os tropeços que dava na vida, tinha muita confiança de que logo em breve estaria rindo do que passou.

Sua sorte estava na maneira de olhar o mundo.

Até que um dia sua sorte mudou.

Voltava do trabalho em uma segunda feira, tarde da noite e chovia fino. Ruim para andar de moto com o asfalto escorregadio. Parou no primeiro bar que lhe apareceu no caminho de casa. Estava cansado e, justamente por ser um cara de sorte, sabia que não era bom abusar dela. Segunda, frio e chuva, bar lotado.  Uma luz forte, amarela, mesas cheias, pessoas bonitas, barulho, copos de cerveja, garçons transitando em espaços apertados, equilibrando bandejas com mais e mais cervejas, pessoas se espremendo para fumar debaixo de um pequeno toldo.

Passou o olho por todo o bar em busca de conhecidos. Estava cansado e uma conversa descompromissada lhe ajudaria passar o tempo da chuva. Não achou ninguém, mas arrumou-se em um pequeno espaço no balcão, onde pode pedir uma coca e um sanduiche de filé. Pensou em tomar uma cerveja, mas de moto na chuva não seria bom abusar da sorte.

E a sorte veio.

Dois olhos verdes caminhavam em sua direção, fixos nele, acompanhados de um sorriso largo, leve e que lhe parecia muito familiar. Pertenciam a um rosto simétrico, de traços delicados, mas expressivos, demonstrando, na embalagem, toda a personalidade  que havia naquele corpo. Cabelos nos ombros, castanhos, não escondiam o pescoço alvo, firme e longilíneo que equilibrava aquele movimento de corpo. O pescoço direcionava o olhar dele aos ombros, nem tão largos, mas nem tão estreitos, gentilmente balanceados e harmônicos. Seios firmes, médios, vivos e pulsantes sob um vestido preto, longo e largo. Eram seios quase suplicantes. O vestido, tecido molinho, denunciava as formas do corpo, sem nada mostrar.
Dois olhos verdes caminhavam em sua direção, carregados por passos firmes e lentos. Era uma mulher de quase seus um metro e setenta, linda, que com seu brilho e sorriso destoava de toda aquela cena de bar na segunda de chuva.  E o sorriso familiar...

Nesses momentos ele reafirma sua certeza de ser um cara de sorte. Mas, dessa vez, ele estava errado.

Não tinha idéia de quem era ela, mas ela veio, firme e bela, lhe cumprimentado com um longo abraço. Longo, de minutos. Passando uns trinta segundos de estranhamento, ele imóvel, percebeu a textura e os contornos da cintura daquela mulher, bem como a firmeza mais rígida que o normal de seus seios. E aquilo lhe deu água na boca.

Desvencilharam-se do abraço e agora os olhos dela estavam cheios de lágrimas, mas o sorriso largo e honesto continuava estampado no rosto. Ela lhe era muito familiar, mas ele foi incapaz de reconhecê-la. Chegou a pensar que a bela moça talvez o tivesse confundido com outro alguém, mas não. Ela sabia quem era ele, sabia tudo dele. Mas ele não.

Ela não podia acreditar, mas percebeu, no constrangimento e no desespero dos olhos dele que ele não mentia. E foi ai que ela chorou mais. E quem se desesperou foi ele. O bar inteiro parou para ver a cena, mas eles não se importaram. Na verdade, nem perceberam. Apenas se abraçaram novamente.

Foram, então, fugir daquele barulho, e, fora do bar, sob a chuva fina, conversaram.

Ela lhe explicou que era sua ex-mulher e que haviam sido casados por 3 anos. E que fazia exatamente um ano, naquela segunda fria e chuvosa, que eles haviam se separado. Que eles se separaram por motivos fúteis os quais ela não lembrava, que ela saiu de casa, confusa e triste com coisa que há tempos ela não sabia o que era. E que vê-lo, ali, naquele dia, tremenda coincidência, tinha sido um sinal de que ela nunca havia o esquecido ou deixado de amá-lo.

E ela falou isso com detalhes, contando como haviam se conhecido, por onde tinham viajado, com detalhes da casa onde moraram. Falava aos prantos, com as lágrimas que se confundiam com a água da chuva em seu rosto, indignada com o silêncio dele, olhos esbugalhados, que escutava a tudo sem dar uma palavra, sem emitir um som.

Ele estava em choque. Escutou atento tudo o que aquela mulher linda lhe falava. Pensou que ela era louca, mas ela sabia todos os detalhes da sua vida, da sua casa, de tudo. Tudo o que ela falou encaixava na história da vida dele, exceto ela. Reverberava em sua cabeça “que fazia exatamente um ano, naquela segunda fria e chuvosa, que eles haviam se separado”.

A chuva passou.  E ele falou apenas “Desculpa, mas eu não lembro.” Dela, ele só lembrava o sorriso. Era a única coisa que havia sobrado pra ele. Nem seu nome ele sabia. E quando ele lhe perguntou, ela não lhe disse. Chorou aos berros e correu, indignada, humilhada, triste, maltratada.

Ele ficou parado. Olhando-a correr. Corpo magro, passos firmes, mesmo no desespero, uma mulher cheia de leveza. Não fazia sentido, naquele momento, ir atrás dela. Estava ele em choque, não sabia o que dizer. Havia dito a verdade e a verdade é que ele não sabia quem era aquela mulher.

E naquele dia a sua sorte acabou.

Na mesma noite, foi pra sua casa e revirou seus álbuns de fotos, seus papeis, suas cartas, seus e-mails. Revirou tudo atrás de uma pista a respeito daquela mulher. Espalhou roupas e gavetas pelo chão, buscou no alto do armário e não havia nada sobre aquela mulher na sua vida, mas, por conta daquele encontro, ele sentia que tinha sido verdade e que ele apenas não lembrava. Ele não achou nada real, exceto um bilhete, numa caixa de sapatos, assinado “com todo amor do mundo, M.”

Ele não sabia quem era M, mas reconhecia a letra, assim como reconhecera o sorriso.

Pensou em ligar para amigos, para família, para alguém, mas ele não queria passar por louco. Não se lembrava de ninguém, nunca, ter comentado sobre ele ter sido casado, ainda mais aquele tempo. Seria estranho perguntar a eles qualquer coisa a respeito. Seria mais estranha ainda qualquer resposta que ele viesse a ter. Preferiu o silêncio.

Foi trabalhar no dia seguinte atrasado, desconcentrado. Algo havia mudado. Sentia-se, e nisso estava certo, pela primeira vez na vida, sem sorte. Depois do trabalho, foi de novo àquele bar, na esperança de encontrá-la. Perguntou ao garçom se ele se lembrava da noite passada e se, por acaso, ela costumava freqüentar aquele lugar, no que o garçom respondeu, sem pestanejar, que sim, que lembrava da noite anterior e que a moça freqüentava o bar regularmente, quase que uma vez por semana. Perguntou-lhe também se ele sabia o nome da moça, no que ele respondeu que não ao certo, mas que o garçom que estava de folga naquele dia certamente sim. Ficou até o bar fechar, esperando um sinal dela e nada. Passou a noite insone, em casa, com a cabeça a mil, pensando...

No dia seguinte, chegou mais atrasado ao trabalho e com menos concentração. E, como na noite anterior, foi novamente àquele bar. E novamente esperou. E novamente, nenhum sinal da mulher. Também não descobriu seu nome. Mais uma noite insone.

E assim se seguiu uma semana, na mesma rotina. Na segunda semana, perdeu o emprego. Justa causa. Tinha umas economias e achou que seria até conveniente ter mais tempo para procurá-la. Estava cego e obcecado.

Suas buscas eram em vão e sempre terminavam a noite naquele mesmo bar. Via o movimento, passou a conhecer as pessoas, mas, depois de um mês os garçons e o dono do estabelecimento acharam estranho aquele comportamento.  Alias, seu comportamento mudou. Estava econômico com as palavras, mais seco, mais agressivo, bem diferente de antes. Seu corpo também havia mudado. Emagreceu muito, estava com os ossos do rosto aparecendo, com a barba por fazer. Esqueceu as noções de higiene, de tempo, de espaço. Sua vida passou a ser achar aquela mulher.

Fugia dos amigos e dos conhecidos. Não queria lhes explicar o que acontecia e preferia o silêncio. E, em muito pouco tempo, os amigos e conhecidos deixaram de lhe procurar. Em dois meses era visto agora como um doente, quase um indigente. Foi proibido de entrar no bar, dado seu estado e aparência, mas continuava, religiosamente, indo todo dia na sua porta. Suas economias começaram a ficar escassas e passou a vender suas coisas. De inicio, vendeu os livros, os discos, os quadros. Depois as louças, os móveis, a moto, a casa. Passou a morar num quarto, tipo pensionato, perto do bar.

Passado seis meses, ele não era nada do que havia sido. Não tinha mais nada, nem as memórias. Em menos de um ano após aquele encontro, ele morreu, sem sorte e sem deixar saudade, exceto naquela moça que ele esqueceu. E que, aliás, nunca ninguém mais viu.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Dislate (1997)


Penso hoje seus olhos

e hoje está sol
e não tenho vontade nenhuma de pensar teus olhos.
Escrevo sobre meus galhos
grilos, alhos e baralhos.
Bicho, tô fodido!!
Penso teu sorriso
e teu sorriso não me faz falta.
O Raul me ilumina...

Preciso do meu eu em eu
não do meu em teu
nem do teu eu em eu.
Penso você.
Que pena,
você é dois
dois, três, quatro…
infinito zero a esquerda direita.

Esse texto está um dislate.
Late alguma coisa pra mim
late  que eu já não te mordo
já te mordi tanto
parei contigo e sem tigo
e o Digo já sabe de tudo.
Volta pro teu castelo,
sai da minha praia, mas não deixa eu entrar na sua
não me pede pra entrar na sua praia
nem na sua casa nem no meio das suas pernas.

Penso e não danço
e  você dançou
e o outro você me fez rodar
e roda o rodo
pena de você
e de você também.
Pena de galinha,
vontade de ir na cozinha,
vontade de dar umazinha.
Penso sua coxa.
Sua coxa roçando na minha
e me contando segredos da sua calcinha,
segredos que você nem imagina,
penso além do pensar...

Puro dislate fútil...
mas puro.



Soneto do Sorriso (1997)


No riso me transformo
transformam os que fazem rir.
Só rio se tenho graça
ao meu cinismo admitir.

E de falsidade em falsidade,
caminhamos todos unidos
fingindo pelo riso sermos amigos
amizade onde nada há de verdade.

Como é triste a realidade
que nos põe na cara uma aparência,
metamorfoseando eu, o Riso, em indecência.

Decente esta minha atitude.
Rio mostrando os dentes
pros pobres dos indecentes.

(em parceria com meu amigo Ricardo Jacomo)

domingo, 11 de setembro de 2011

Poema de espelho (01-dez-95)

Você não está aqui
nem fora, nem dentro do peito.
Você.
Perpétuo desejo de te ter,
submissa, sem assim o ser.
Quem irá vencer?
Somos iguais.
Eu e você.
Somos iguais.
Quem irá vencer?
Submissa, sem assim o ser.
Perpétuo desejo de te ter.
Você.
Nem fora nem dentro do peito.
Você não está aqui.



quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Poema pós “O amor é fodido”, de Miguel Estevez Cardoso. (08-jun-2001)




Por que me sinto tão só quando estou comigo mesmo?
O mundo, grande mundo, parece pequeno
diante do infinito da minha solidão,
tão cinza, tão cinza, tão azul...
teus olhos, azuis, imensos e distantes.

Há pessoas e o resto
e o resto parece ser tanto
que não há pessoas então.
O resto é o resto
e  o que sobra é a tal da solidão.

Há sons, luzes e, ao fundo, canção.
É como a vida na televisão.
E, como na televisão, tudo tão irreal e vão.
Uma dose de realidade em uma garrafa de ilusão.
E eu, bêbado nos alucinotrópicos e afetaminas da minha solidão.

E essa madrugada não avança ao dia...
Fico cá eu notívago a destrinchar-me
e a descobrir a ti dentro de minhas saudades
com teus olhos, azuis, imensos e distantes,
brincando e atiçando minha insônia.

Penso as vezes dar-te rosas
na esperança de te ver cortando-se nos espinhos.
Separando-se, em sangue, de mim.
Em meio segundo tenho pena. De ti.
No outro, tenho raiva. De mim.

Por que não me basto?
Por que me sinto tão só quando só me tenho?
Nesse mundo imenso, tão pequeno...
tão pequeno pra mim
tão pequeno pra mim sem você.