Ela acordou sem saber ao certo se ainda eram oito da noite
ou se já eram cinco da manhã. Acordou sem querer acordar. Teve de novo um sonho
daqueles que não sabia mais se era sonho. Acordou e ainda sonhava. Acordou
cansada. Mais cansada do que fora dormir.
Era a primeira folga que tinha em um mês e estava entrando
no terceiro dos quatro dias que iria ficar em casa. Estava mais cansada que
antes. Havia se acostumado ao trabalho de madrugada, mas havia uma dívida de
horas de sono que o corpo se recusava a pagar. Precisava e queria descansar. Acordou
e ainda sonhava. Havia ido dormir para parar de pensar. Mas pensar era só o que
fizera. Estava cansada.
Sonhava com um homem. Sonhava recorrentemente com um homem.
O mesmo homem. Não sabia seu nome, nem seu rosto, nem nada, mas era uma figura constante
em seus sonhos recentes. Sentia seu cheiro ao acordar e era como se ele
estivesse estado dentro dela, como se ele a tivesse invadido cada milímetro de
suas entranhas e deixado seu cheiro por lá. E ele cheirava a mar. Aquele misto
de sal, areia, água, vento e sol, aquele cheiro de porra apodrecida, de sexo de
ontem. Ela lembrava dele, sentia o cheiro de mar e lembrava de porra velha.
Achava que tinha o mesmo cheiro de quando passava dias trancada no quarto,
trepando, bebendo e fumando, sem comida e sem banho. Sim, houve épocas que se
trancava no quarto com o namorado, com o amigo, com a amiga, com que fosse e só
saia quando estava a beira da morte, esquálida e de pernas bambas. E o quarto
ia acumulando um cheiro de suor e porra, de fluidos, que, depois de um tempo,
lembrava cheiro de mar. E ela lembrava do homem do sonho apenas pelo cheiro de
mar. Ou da sua porra velha... Tinha um tesão sem fim naquele cheiro, ainda mais naquele homem sem nome e sem
rosto. No dia anterior tinha sonhado com ele e pode jurar que, ao seu lado, a
cama estava quente e úmida. Noutro dia, o sonho havia sido no banho. E sempre,
sempre, lhe sobrava o cheiro de mar.
Precisava e queria descansar. Mas acordou e ainda sonhava. E naquele acordar cansado, com
tesão e cheiro de mar, tentava lembrar do sonho que acabara de ter. Como o
travesseiro entre as pernas, lembrava das mãos daquele homem. Lembrava da
aspereza do toque, da grossura dos dedos, das marcas e, principalmente, do
tamanho. Eram mãos enormes. Seus dedos pareciam assustadoramente sexies. Dedos
grossos, brutos. Respirava e apertava contra si o travesseiro. O toque daquelas mãos a fazia suspirar.
E suspirando, voltava àquele lugar que fica antes do sonho, depois do acordar.
Àquele limbo onde não sabemos bem onde estamos, ou quando estamos... E assim,
com as mãos grandes e ásperas, dedos grossos, que a faziam suspirar e apertar o
travesseiro contra o meio de suas pernas, segurando as suas mãos, leves e
delicadas, ela adentrou, cansada, aquele sonho acordado. Bebiam whisky, sem
gelo, em um bar antigo do centro, e seus goles eram fortes e grandes e o whisky
lhe descia a garganta como se fosse água. As mesas era pequenas, o bar quase
vazio, muitas fotografias na parede, gente famosa nos retratos. Gente famosa e
morta. Ela já havia estado lá. Só o copo de whisky destoava. Era um copo de
vidro vagabundo, Aquele copo não era dali. Ela não via o rosto daquele homem,
mas via cada detalhe daquele lugar e daquele corpo grande parado à sua frente.
Sim, definitivamente, ela o conhecia, apesar de não o reconhecer. Ela tentava
acompanhá-lo no whisky, mas ele bebia com uma sede de outros tempos. O copo se
enchia sozinho, mas ela não via como. Ficou curiosa, mas ela não queria perder
aquele homem de vista. Tinha a sensação que se desviasse mais uma vez o olhar
para qualquer lugar, ele desapareceria. E assim, ficou, olhando-o beber e
respirar. Sua respiração era
profunda, quase eqüina, bestial. Podia-se ouvir o ar entrando pelo seu nariz e
dilatando seus pulmões. O peito estufava-se e era uma cena que a hipnotizava. E
naquele sonho que não era sonho, não trocaram uma só palavra. Olhavam-se, ele
sem rosto, seguravam-se as mãos e ele bebia. Havia silêncio, tensão e tesão. A vontade dela era subir
naquele homem grande, no meio daquele bar, tirar-lhe a roupa, sentir-lhe por
dentro e deixar-se invadida por aquele cheiro de mar. Apertava o travesseiro,
enquanto ele tomava mais um gole. Gozou.
Respirava ofegante e então entendeu. Não sabia porque, mas
devia àquele homem no sonho. Olhava-o as mãos, os braços, o peito largo, as
marcas e soube que lhe devia uma trepada. Não, não era apenas que ela queria, e
sim, queria e queria muito, trepar com ele. Mas, por qualquer motivo, ela lhe
devia isso. E ele apareceria em seus sonhos diariamente para, silenciosamente,
lhe lembrar dessa dívida. Abriu os olhos e viu as paredes do quarto. Ainda era
escuro. Talvez fosse oito da noite, talvez fosse cinco da manhã. Fechou os
olhos e sem dificuldade voltava aquele bar. Estava lá parado o homem de mãos
grandes e largas, copo vazio, sem rosto.
Ela levanta e no meio do bar e por baixo do vestido, tira a calcinha.
Coloca-a dentro do copo. Era a forma dela dizer que queria pagar aquela dívida.
Abriu os olhos. Estava mais acordada que nunca. Foi à
cozinha. Eram duas da manhã. Precisava dormir mais um pouco. Estava de folga e
tinha que descansar, pois o trabalho, trabalho de merda, voltaria com todo gás
em dois dias. Pegou o rivotril. Sete gotas deveriam bastar. Sabe que não tem adiantado muito. Já teve
tempo em que sete gotas bastavam. Precisa relaxar. Depois de gozar ela sempre
acorda. Tem as pernas bambas e o corpo cansado. Serve-se de whisky. Puro. No copo
de cristal, próprio pra isso. A mente está a mil. Fecha os olhos. Sente o
cheiro do mar. Ou seria o cheiro de porra velha? Gosta dos dois e acha que os dois
têm o mesmo cheiro. Queria que aquele homem lhe batesse à porta. Odeia dever a
alguém. Ainda mais essa dívida.
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