É estranho sentar sozinho em um restaurante para comer. Não que eu me sinta estranho, mas tenho a sensação que as pessoas olham esquisito pra gente. Eu não vejo problema algum. Às vezes a gente está com vontade de comer alguma coisa em algum lugar e não dá pra esperar acontecer uma companhia. Às vezes simplesmente na sua casa mora uma geladeira vazia e você não quer bater papo com ela. Às vezes a fome aparece sem avisar e você está passando em frente a um lugar onde tem ‘aquela’ parada que vai matar sua fome.
Não interessa qual o motivo, mas é estranho sentar sozinho em um restaurante para comer. E mais estranho do que isso é que seja preciso um motivo para tal. Vamos esclarecer que eu não estou falando das horas de almoço no centro da cidade. Mas se bem que isso dava um bom texto, afinal, você já reparou nas figuras que almoçam sozinhas no centro? Tem cada coisa interessante... E por interessante entenda-se esquisita, bizarra, curiosa, bonita, instigante, surpreendente e, até mesmo, interessante apenas. Mas não é esse o caso aqui.
Imagine chegar às 23:30h no Baixo Gávea, sentar no Hipódromo sozinho em uma quarta feira. Ok, quarta tem jogo e eu poderia parar pra ver o jogo sozinho ali e isso é normal. Mas, no meu caso, não sou fã de futebol. Até gosto, mas gosto de ver os resultados, acompanhar a evolução dos times na tabela e coisa e tal. Mas ficar assistindo 22 machos atrás de uma bola não é uma parada que eu ache incrível. Mas, enfim, eu poderia fingir estar vendo o jogo para parecer normal. Só que é quarta, tem jogo, mas quem joga é o Flamengo. Fingir ver um jogo do Flamengo não dá pra mim. Se for pra fingir, que seja fingir ver o jogo do meu glorioso Tricolor. E a essa hora, 23:30, o jogo já ta quase acabando. Melhor não ficar perdendo tempo fingindo.
Além disso, o que me levou ali foi o estômago que não via comida desde as 13:00. Então o negócio é sentar, comer e partir. Mas, comer sozinho no restaurante, o que é uma coisa estranha, tem suas estratégias. A primeira é escolher a mesa onde sentar. Isso porque, já que você está sem companhia, o melhor é escolher um lugar onde você possa observar a fauna e a flora do lugar. Imagine se naquela longa espera do seu prato você vai ficar de frente pra pilastra... Não rola... Já que eu não vou torcer pro Flamengo (nem contra), melhor sentar de costas pra televisão e de frente pra algum alvo interessante. Não que o objetivo seja a caça, mas caçar é sempre uma diversão e sempre um excelente exercício. E, nesse aspecto, melhor não sentar de frente, bem em frente ao alvo, mas em lugar onde você possa ver com discrição e, ao mesmo tempo ser visto. Um lugar onde você consiga estudar o alvo ou ao menos admirar a plasticidade de alguns movimentos. Mas hoje não é o dia de flerte, pois eu estou há dez horas sem comer e a fome me torna a pessoa mais objetiva e menos social do mundo.
Sento na parte de dentro do restaurante simplesmente porque achei que lá fora eu ia gerar uma comoção muito grande. É preciso discrição... Sento-me distante 3 mesas de onde estão sentadas cinco beldades. Ok, não precisamos mentir, duas beldades, uma mulher bonita e duas que não chamaram minha atenção. Talvez pela singularidade das duas beldades – uma morena de olhos verdes e uma loira tipo modelete com um sorriso de comercial de colgate – eu não tenha reparado nas duas outras. A que eu chamei de mulher bonita era isso. Uma mulher bonita. Sem ser linda nem incrível, mas bonita, daquelas que chama a atenção na terceira olhada, que passa desapercebida nas duas primeiras olhadas, sabe? Enfim, a vista estava ali já posta. Apesar de ser uma mesa com cinco mulheres – entre elas duas beldades, o que me chamou atenção na mesa foi o fato delas estarem bebendo sangria. Sim, sangria, aquela coisa de vinho doce com maçã e/ou abacaxi picados... Sim, aquela coisa ruim que eu costumava beber lá pelos meus 18 anos de idade. Sim, aquela coisa que me deixava trebado e era barata. E eu fiquei surpreso ao ver que alguém ainda pedia sangria. E não eram meninas de 18 anos não. Eu chutaria, sem querer parecer indelicado, que elas estava chegando aos 30. Ou até um pouquinho mais. Mas, então, as moças bebiam sangria. Que cena....
Os garçons do BG são quase parentes. Faz vinte anos que freqüento aquele lugar e alguns estão lá desde antes disso. Então não tem muito aquilo de perguntar se vai chegar mais gente, de ficar parado do lado esperando que eu escolha o que pedir e coisa e tal. Mas normalmente tem isso. Você chega sozinho ao restaurante e normalmente já tem dois pratos na mesa, virados de cabeça pra baixo, e dai você senta e o garçom pergunta quantos são e, ao ouvir sua resposta, já recolhe o prato. Eu acho isso uma sacanagem. Sério. Mesmo saindo pra comer sozinho, a pessoa não quer realmente comer sozinha. E quando garçom tira o segundo prato é a hora em que você percebe que sim, você vai comer sozinho. O segundo prato ali demonstra uma esperança, uma expectativa que alguém, mesmo que de surpresa, sente ali. Mas a esperança morre quando o gentil garçom leva o prato...
Ali no BG, acho que graças a minha sensação de intimidade, isso não rola. Deve ser porque ele leva o prato, mas volta pra conversar comigo. Sempre os mesmos assuntos, independente do garçom. É aquela coisa de futebol ou se eu vi fulano ou se ta cheio ou quem é aquela beldade loira ou qualquer coisa que demonstre que a sensação de intimidade é minimamente real. A intimidade, mesmo que falsa, é fundamental.
Escolher o prato é mole. Sozinho, não há a quem enganar e você pode escolher a gordice que quiser. Não é preciso negociar se é muita comida ou pouca nem nada. Ainda mais quando se conhece de trás pra frente o cardápio e você come invariavelmente o mesmo sanduíche de filé com queijo há pelo menos uns dez anos... Feito o pedido, olho para as outras mesas e aguardo. Varias pessoas olham pra mim com cara estranho. Pela hora, pelo pedido, por estar vestido de terno e gravata, por ser quarta feira, mas, basicamente, por estar sozinho. Dá quase vontade de levantar e falar ‘Gente, eu sou normal, to sozinho porque não tem comida em casa e eu não queria comer no Bibi de novo’. Mas é melhor não explicar, né? Já basta estar sozinho e ainda ter que pagar de maluco? Melhor não...
A outra dúvida que rola é sobre o que escolher pra beber. Sim, pois um chope seria clássico. Mas é ruim beber sozinho. A não ser que seja apenas um ou dois chopes. Mas ai é ruim tomar somente um ou dois chopes... Dai, pra economizar pensamento, peço uma coca zero. Na verdade eu queria água, sem gás, por favor, mas achei que bebendo coca cola eu ia ser visto com menos desconfiança... Fica a sensação de ser mais normalzinho, entende?
Mas é besteira. Sentar sozinho em um restaurante lhe transforma em um ET. Legal é não dar a mínima pra isso. Mas tem gente que é muito insegura pra isso... Legal de estar sozinho é que enquanto você está prestando atenção em alguma coisa, não percebe o tanto de gente que está prestando atenção em você. É como se as pessoas estivessem esperando algum movimento de você, alguma performance, alguma novidade. Ou esperando que alguém junte-se a você para trazer paz, equilíbrio e normalidade para o ambiente... E você, no caso, eu, escolho alguma coisa pra fixar o olhar e os pensamentos. Normalmente o celular, mas descobri que isso é uma fuga e que se eu fizer isso, mais e mais pessoas ficam olhando de soslaio pra você... Melhor escolher alguma coisa pra olhar, pois pelo menos assim você se livra de ao menos uma direção. No caso, eu preferi olhar as beldades. As outras opções eram ruins. Uma mesa com dois casais onde os caras estavam aficionados com os 22 malucos correndo em campo dentro da TV. Uma outra mesa com umas 15 pessoas, um tanto mais coroas e que pareciam estar comemorando o aniversário de turma. Uma mesa com três flamenguistas barulhentos que não viam o jogo mas sim discutiam a questão do downgrade nas notas de risco dos Estados Unidos e como isso afetaria a Europa no médio prazo. E outras duas mesas sem nada de especial. Era, portanto, uma obrigação admirar as beldades enquanto o sanduíche não chegava. E eu ri de novo porque elas bebiam sangria.
Quando você está sozinho a sua comida não demora. Acho que é um pouco de pena que o garçom tem de você. Ou será que rola um pensamento de que naquela mesa cabem quatro pessoas e como só tem um mané ali, o melhor é despachá-lo logo e liberar a mesa? Em menos de 10 minutos, chega o sanduíche. E é nessa hora que chovem olhares curiosos para cima de você, no caso, eu. Deve ser como se fosse a realização, para a platéia ali presente, de que você está realmente sozinho, sem esperar ninguém. Há olhares de pena e curiosidade. Curiosidade de saber o que come uma pessoa que sai sozinha para comer. Eu particularmente acho essa curiosidade saudável, afinal, amanha você pode decidir sair sozinho pra comer pela primeira vez.
Comer sozinho tem suas vantagens. Você come mais rápido, a comida não corre o risco de esfriar, você não precisa dar um pedaço de nada pra ninguém e, o principal, você acaba rápido. Nessa hora você já deixou de ser um objeto interessante e atrai menos olhares. Conseqüentemente, você se defende menos e relaxa. Os únicos que ainda tomam conta de você são os garçons. Ou o garçom. Parece que eles já tem sua conta no bolso. Se estes não fossem os garçons amigos do BG, eu teria a sensação de que eles eram urubus na carniça, esperando mais uma mesa a vagar. Sem trocadilhos com o Flamengo, ok?
No final, tudo acaba bem. Tudo sempre acaba bem. Fica parecendo que essa estranheza de comer sozinho é apenas o reflexo do desconforto de comer sozinho. Será que quem não sente esse desconforto não percebe essa estranheza? Sei lá. Paranóia ou não, é bom perceber como o mundo te olha, mesmo que você cague pra isso...
A estranheza de comer sozinho deve ser a mesma de descobrir a liberdade. A liberdade é estranha, mas é boa. A sensação é estranha, mas é de uma leveza impar. O sanduíche estava bom, como sempre. Mas eu acho que eu devia ter pedido um taça de sangria para aquelas beldades. Certamente teria realçado o sabor.
2 comentários:
Casquei o Bico no meio do escritorio ...hilário cara.. curti pra caralho
Adorei Mário!!!A proposito eu sou desse tipo de gente que come sozinha no centro da cidade!hahaha
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