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quinta-feira, 30 de junho de 2011

Os muros e a borboleta.

Ela era uma mulher linda. Olhos verdes d´água, verde mar de Ipanema no verão. Olhos vivos. Leves e harmônicos, os movimentos de seu corpo me hipnotizavam. E o sorriso? O sorriso era largo, sincero, penetrante e o riso, o riso era solto. Era linda aquela mulher. Mas, ao falar, sobre qualquer assunto, receita de bolos, astrofísica, metafísica do poder, deixava evidente que toda aquela beleza física não era nada perto da mulher interessante que aquele corpo guardava. Era inteligente, esperta, bem humorada. Seu belo corpo era um pequeno detalhe naquela linda mulher. Não era velha, pelo contrario, era uma jovem, uma jovem marcada por uma vida de experiências, boas e ruins, cicatrizes que a deixavam ainda mais bonita.

Era sim uma mulher linda. 

O que tinha de mais bonito nessa mulher era sua capacidade de sonhar. Sonhava dormindo, sonhava acordada, sonhava trabalhando. Não era avoada nem iludida, tinha os pés no chão, mas, ainda assim, dava asas aos seus sonhos e, sempre que a realidade permitia, corria e voava com eles. E se tivesse chance, se tivesse alguma chance, dava um jeito de colocar-los em prática. Sábia, sabia que eram aqueles seus maiores tesouros...

Eu a conheci assim, linda. E me apaixonei por ela no primeiro instante.  E ela me abriu as portas do seu mundo. Se entregou inteira, pois sabia que essa é a única maneira de se entregar. Me mostrou sua vida, seu coração, seus sonhos, seus medos, seus traumas, seus desejos. Ela se abriu inteira e, era, assim de perto, tão bonita quanto eu havia imaginado antes. 

Ela era a mulher mais linda que eu havia conhecido em minha vida. Era perfeita com suas imperfeições e, por isso, a mais perfeita. Ela, no pior dos dias – mau humor, TPM, cansada, insone -,  era ainda dona de um charme que só ela e eu a achava linda. Inteiramente linda.

Me achava um cara de sorte.

Eu nunca fui um homem de sonhos. Digo, de correr atrás dos sonhos. Sim, tenho os sonhos megalomaníacos, utópicos, dilatados, impossíveis, que na verdade são apenas difíceis e, por serem difíceis, morrem. Mantenho-os em segredo, segredo até de mim mesmo. Quase sempre me faltou tempo para correr atrás deles. Tempo ou coragem, sejamos sinceros. Há aqueles, menorezinhos, pra mim, e esses eu não sonho tanto, pois, em sendo possível, os realizo. Mas, o tempo... Sempre a questão do tempo esteve presente, como um problema, na minha vida. Nasci de sete meses, só pra dar um exemplo. Deveria chegar as 9:00 no trabalho, mas não chego antes das 10:15, outro exemplo. Mas sempre tive essa questão de tempo, de urgência. E também de pragmatismos. De buscar soluções, de resolver problemas. Sempre sufoquei meu lado lúdico por uma urgência de vida prática e sempre soube que eu não era feliz com isso. Me faltava alguma coisa. Desde sempre eu sabia.

E quando vi aquela mulher ali, linda, cultivando um jardim de sonhos e, incrível, colhendo-os, eu sabia que eu estaria completamente entregue. Queria aprender a lidar com sonhos e, quem iria saber, viver de sonhos. Queria aquela mulher inteira. Corpo, mente, futuros e sonhos.

Mas, sem perceber, e pra mim foi como se fosse de repente, eu a estava matando.

No inicio não percebi. Eram tantas coincidências, tantas, que em algum lugar há um livro, enorme, só com a listas das nossas coincidências. Nós mudamos muito, nascemos de cesária, nossos gostos combinam de forma mágica, temos a letra bem parecida e cinco letras no nome e quatro no sobrenome. Coincidências tolas, mas que, pra nós, eram deslumbrantes. Foi, sem sombra de dúvida, um grande encontro numa vida onde o que se tem de mais importante são os encontros. E no inicio não era apenas de coincidências que vivíamos. Havia, e isso sempre houve, sexo extraordinário. Nossos corpos se amavam e se desejavam de uma maneira tão pura e tão inteira que não havia lugar melhor do mundo pra se estar do que dentro daquela mulher. Felizmente, muito felizmente, isso nunca mudou nem acho que vá se perder...

O que não continua é que aquela mulher linda parou de sonhar. A mulher que era linda porque seus olhos brilhavam com os sonhos que buscava já não estava ali. Ela não percebeu, nem eu, que lentamente era construído muros em volta dela. Muros construídos com a minha objetividade, praticidade, experiência, ou melhor, com a minha tolice. Eu não percebi, mas, sim, aos poucos, eu colocava ali ao redor dela, tijolo por tijolo, algo que a deixaria presa. Como um pássaro, que é livre e nasceu pra voar, ela morreria ali.
Quando a encontrei eu fiquei cego de paixão. E cego, não percebi que, diante de algo tão importante, sublime e, sobretudo, inédito, era preciso desarmar-me de toda arrogância que eu tinha. Me julgava um cara experiente e quis, de alguma maneira, contar com aquela experiência... Tolo. Tolo e cego eu fui. Devia saber que, quando se vai ao encontro do novo, deve-se ir puro e, principalmente, aberto. Mas não, lá estava eu com minhas razões, minhas manias, minhas regras, minhas tesouras de podar sonhos que eu usava e estava sempre acostumado a usar em mim mesmo. Aquelas eram coisas que, por hábito, e por ter sempre carregado, estavam comigo. Aquelas eram coisas que eu realmente não precisava mais. Ou melhor, não queria mais ter. E foram essas coisas que, quase que imperceptivelmente, eu usei pra criar os muros em volta dela.

Mas o pior de todos os venenos era mesmo o ciúme. É preciso uma certa intimidade para que ele apareça. Eu achei que não ia ser o caso, que eu era maduro e que já tinha aprendido isso na vida, mas... Mas quando eu vi, estava tomado de ciúmes. Como o mundo inteiro não se apaixonaria por aquela mulher linda e maravilhosa, dona do sorriso mais doce e puro tesão. Era inconcebível crer que o mundo não a desejava. E eu, sem saber, como se houvesse de mim um duplo, um clone, um clone tomado de ciúmes, coloca cimentos e tijolos ao redor dela, nas portas da casa e a queria só pra mim. Sei que o ciúmes vem e vai. E quando vem, pode derrubar almas, pessoas, sonhos. Assim como ele precisa de intimidade para aparecer, precisa também de calma e sabedoria pra que ele se vá. Mas, mesmo quando se vai, deixa ele suas marcas.

Como, mas como eu não percebi? Foi ela que, um dia, olhou-se no espelho e não se reconheceu. Não reconhecia sua imagem, seus desejos, suas reticências. Aquelas reticências não eram dela, mas agora as usava como uma segunda pele. E, principalmente, não reconheceu os sonhos que estava sonhando... Aquela, segundo ela, não era ela. E, imediatamente, usando de toda sua sabedoria, ela se recolheu. Virou pupa.
Virou pupa para reconstruir suas asas e poder voar por além daqueles muros de verdades que não eram delas. Vai voar porque é essa sua natureza. Vai voar porque voando é feliz. 

Ah se eu tivesse percebido o muro que se erguia sem que eu soubesse. Seria eu o primeiro a quebrar com picaretas, com as mãos, com dentes aqueles tijolos. Seria o primeiro a abrir os portões, as janelas, a deixar correr o ar. Queria eu ter aprendido com ela, junto, a criar asas e não ter cortado as delas.

Quão tolo eu fui.

E agora, como tolo, cá estou, destruindo essa porra desse muro que eu não sei como eu fiz, enquanto ela, pupa, se transforma. Sei que dentro de uns dias, suas asas estarão fortes e que, mesmo que eu destrua hoje esse muro, ele ainda será visível pra ela e lá pro alto ela voará. Vai procurar novos ares, novos ninhos, nova vida. Mesmo que aqui seja bom como nunca havia sido, mesmo que agora seja tudo como ela sempre desejou. A moça linda se perdeu de mim.

Talvez eu a encontre num outro tempo, num outro momento, num sonho. Talvez ela venha me visitar num sonho, com suas asas de borboletas... Mas são apenas talvezes.

Cuidar de mim, dar tempo ao tempo, é o que resta. Resta seguir em frente, carregando na bagagem o que eu aprendi. Resta pensar em organizar essa força que é capaz de construir muros, casas, histórias e que, com a mesma rapidez que vêm, se vão. Resta admirar o que foi bonito e reconhecer o que foi bom.

Tempo ao tempo.

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