Era madrugada no Leblon. Era uma segunda feira. Era um dia frio e as ruas estavam praticamente desertas. As poucas pessoas concentravam-se nas portas de restaurantes, que, àquela hora, já estavam começando a fechar. Era dia de ficar em casa. Era dia de descansar. Era preciso parar. Havia sono e, pior, havia o dia seguinte.
Mas era muita coisa na cabeça. Era uma energia que não se acabava. Era um desconforto. Decidiu caminhar. Já havia corrido. Já havia trabalhado. Já havia bebido. Não havia o que fazer. Nem porque fazer algo. E ele decidiu andar nas ruas frias e desertas. Para ver as sombras e o frio. Para ver que não havia nada ali. E para não encarar seus pensamentos.Ou não.
A armadura havia quebrado. Uma armadura que se confundia com ele próprio, que havia sido, por anos, sua proteção e que, agora, lhe sufocava. Ela havia quebrado. Apenas uma pequena rachadura. Não pelos tombos e perdas, não pelas porradas. Ela rachou de dentro pra fora. Como algo que não cabia mais ali. Estava longe de ser destruída. Mas pelo vão dessa rachadura, emanava toda uma força. Uma força em forma de fúria.
Era parte do processo. Era o momento para isso acontecer. Ele sempre soube que isso iria acontecer. Não era simplesmente raiva. Não havia um motivo, nem causa, nem razão. Era uma fúria límpida e translúcida, agigantada pelos tantos anos de prisão. Apesar do que sentia, não podia pensar sobre isso, pois a fúria ser apegava a qualquer pensamento e aquilo se tornava obsessão. Se desse à fúria um motivo, qualquer que fosse, ela se tornaria assassina.
E assim, numa madrugada fria de segunda, já cansado fisicamente, mas com toneladas de energia na cabeça, ele saiu para caminhar pelas ruas do Leblon. Buscava distrações. Buscava observar. Buscava despejar sua raiva em algo distante de si. Como quem atira uma granada. E assim, caminhou por horas a fio, por quarteirões e quarteirões, do Jardim de Alah ao canal, do canal ao Arpoador. E depois voltou.
Tentava uma direção, um roteiro, um rumo, mas no fundo, dentro de si, sabia que seu caminho era o tempo. Era preciso tempo. Era preciso esperar o tempo passar. Era só uma questão de equilíbrio. A corda por onde ele passeava havia sido balançada e era preciso tempo para recuperar seu equilíbrio.
Ao perceber isso, viu-se esgotado e teve sono. Era um corpo exausto. Era uma mente exausta. Era um oceano de idéias confusas. Era uma ironia de si. Riu-se. Riu da sua situação. Riu da sua história. Riu do seu cansaço. Riu da sua sorte. Sentiu-se feliz por ser irônico. A ironia é uma arma e uma defesa que usa a inteligência como pólvora. Riu-se de doer a barriga. Riu sozinho e alto. Riu e ria-se.
Era o desequilíbrio em pessoa. Uma gangorra entre a fúria e o riso. Mas era apenas o começo. Um desequilíbrio necessário para por as coisas no lugar. Um caos para se reorganizar. Um processo que, em seu tempo, iria passar. Em seu tempo. Com tempo. No tempo.
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